Safaris e as casas dos homens das cavernas

Décimo dia.

Esse terço final da viagem atravessou uma região muito visitada que vai do litoral sentido Parque Nacional do Etosha. É um percurso com diversas opções de paradas.  Pode-se ter contato com povos nativos, sítios arqueológicos e centros de conservação animal. Dividi com um pernoite ao longo do caminho, duas no Etosha e outra no retorno para a capital. Contudo, esta parte do roteiro eu faria diferente se soubesse algumas coisas de antemão. Vou tentar corrigi-las aqui.

A viagem entre Swakopmund e o Parque Etosha pode ser feita de duas formas, uma delas, seguindo o litoral até a cidade de Hentiesbaai, passar por uma enorme colônia de leões marinhos, conhecer outra cidade litorânea e seguir deserto adentro pelo parque de Tsibeb. Ou, saindo de Swakopmund diretamente para o interior do país, passando pelo interior do parque de Spitzkoppe – que foi a minha escolha.

Tracei um percurso até a cidade de Khorixas, onde reservei um lodge para passar a noite. Esse trajeto tem quase 400 km de extensão. Pelos menos 5 horas de estrada mais o tempo de visitação do parque.

Existem algumas paradas que são citadas em outros blogs. Uma delas é a White Lady, um sítio de pinturas rupestres que mantém até as cores ainda, de mais de 2 mil anos. Ou a do meteorito de milhões de anos que está exposto onde caiu também. Além das visitas aos povos San, que são encontrados num museu vivo e as tribos Damara que recebem visitantes e estão sempre à beira da estrada por toda a região. Também vai ler sobre os centros de preservação de cheetas e outros animais.

Pra visitar tudo isso, esse dia de passeio não é suficiente. Na estrada pela qual passamos, para visitar a White Lady eu teria que fazer um desvio de cerca de 30 km, ida e volta – pelo menos duas horas adicionadas à viagem. Para visitar as tribos, também precisaria de mais tempo. Portanto, aqui eu teria feito uma primeira mudança no roteiro: adicionaria uma segunda noite na região de Damaraland, local da minha hospedagem.

Spitzkoppe

Fica a duas horas de estrada de Swakopmund e tem uma das áreas de campings mais disputadas do país. Isso porque o amanhecer e o pôr-do-sol são indescritíveis. Eu quis muito passar a noite lá. Porém, não estava estruturado para camping e teria um trecho mais longo no dia seguinte para percorrer. Decidi por passar umas duas horas explorando o parque e seguir viagem.

É um lugar sensacional, sem dúvidas. São formações rochosas únicas, com um ar de pré-história. Uma das paradas ali é ir com um guia visitar pinturas rupestres, com explicações bem legais sobre o que significam, além de uma casa de homens-das-cavernas de verdade. O cenário dá a impressão de que os Flintstones pedalavam seu carro de roda de pedra por ali. Além de ser palco de uma das cenas mais emblemáticas do cinema: a dos macacos em 2001 Uma Odisséia no Espaço, do Kubrick, que foi rodada ali.

O resto do parque são trilhas que podem ser feitas de carro – através de um mapa que indica os locais de parada – e de trilhas a pé.

Antes da entrada do parque existem diversas áreas habitadas por nativos que ficam pedindo água ou tentando vender algo na estrada – majoritariamente crianças. Numa dessas paradas, uma mãe com duas crianças pedia água. Me compadeci e desci pra oferecer as duas garrafas que tínhamos. Me pediram outras coisas e ofereceram produtos.

Em seguida, notei uma quantidade enorme de garrafas de água amontoadas a uns 20 metros de onde estavam. Fui tapeado – crianças pedindo água são um grande chamariz de turistas – torna quase impossível alguém negar ajuda. Mais tarde, dirigindo, me dei conta de que, realmente, não fazia sentido crianças passando sede a apenas um quilômetro de comunidades (e provavelmente conhecidos) com todo tipo de recursos.

Spitzkoppe é incrível, algumas das fotos mais bonitas da viagem – como as de Sossusvlei – foram feitas nesse parque. Se estiver acampando, faça um esforço e passe a noite ali. Eu vou só vou poder imaginar como deve ser o céu a noite naquele lugar tão ancestral.

O Google apresenta duas tribos Damaras para se visitar, mas, na verdade, passamos por várias. As mulheres da tribo ficavam na estrada acenando para pararmos. Teria sido divertido – apesar de ter um ar meio pega-turistas – porém, é o mais perto que dá pra chegar de uma experiência cultural – obviamente, espera-se que se deixe um pouco de dinheiro com eles.

Em todo caso, chegamos ao lodge, na cidade de Khorixas (que pareceu ser bem legal de passear de carro também) por volta das 17 hs.

Lodge Damaraland (diária R$ 1000,00)

Com arquitetura moderna e recém construído, fomos os primeiros brasileiros a nos hospedarmos nele. Novamente, outra experiência muito agradável, com comida muito boa e uma simpatia desconcertante dos funcionários.

Parque Nacional Etosha – 11º dia

O parque do Etosha é um dos mais importantes e famosos da África, então, era natural que ele fosse pensado como o ponto alto para finalizar a viagem.

São três horas de viagem de Khorixas até Okaukuejo – o acesso mais estruturado, fácil e próximo à estrada de retorno para a capital. Saímos pela manhã e paramos na cidade de Outjo, onde descobrimos uma confeitaria alemã muito bonita, repleta de coisas gostosas, muito melhor que a famosa de Solitaire.

Passei pela checagem para ingressar no parque e chegamos por volta da hora do almoço. Depois do check in, comprei umas besteiras pra comer, um mapa e saímos rodar pelas estradas procurando bichos. Entramos no quarto só no fim do dia.

Tem bastante material nos blogs e Youtube que exploram todas as particularidades do parque, com explicações sobre os horários de funcionamento, os acessos e etc. Eu serei, talvez, o único blog que vai advogar contra a visita ao parque.

Fiz uma reserva pra me hospedar no interior do parque porque li que essa seria a melhor opção. Li que, ficando no parque, só valeria a pena se fosse próximo ao waterhole, o bebedouro que atrai os animais e de onde você pode observá-los de camarote. Me convenci que deveria optar pela melhor opção possível, pra que não fosse uma estadia frustrante, mas foi.

Custou caro, e a percepção de “caro”, só aumentou conforme os dois dias em que estive lá, transcorreram.

As vantagens da hospedagem no parque se referem aos horários de acesso mais cedo e da permanência até mais tarde (já que você não precisa deixar o parque), além das opções de safari ao final e início do dia e de passar quanto tempo quiser observando os animais no bebedouro.

Vamos lá então: a reserva, além de cara, é feita antecipadamente via uma página de internet defasada, com troca de e-mails, pra finalizar o processo. A empresa que administra o parque chama-se NWR – Namibia Wildlife Resorts, e nada mais é do que um órgão público. É algum grupo vencedor de uma licitação pra gerenciar os parques do país, o que termina por significar, em última instância, controle estatal.

Fica evidente, já no check-in, que o serviço oferecido é medíocre. Desde a fila demorada, passando pela falta de paciência (ou desinteresse) dos funcionários e por todo o serviço de passeios, guias, limpeza, alimentação… tudo com qualidade muito inferior à toda a experiência que até então o país havia proporcionado. Bastou um dedo de Estado pra azedar o passeio.

As duas diárias custaram R$ 2700,00, o jantar era à parte, também caro. Durante o dia, uma venda fica aberta pra compra de mantimentos, mas muito básicos: salgadinhos, sorvete e pacotes de pão. As hospedagens que ficam próximas ao bebedouro são quiosques bem simples: colchão, travesseiro, ar condicionado, tudo no melhor padrão hostel. Note que minha queixa é em relação ao custo que destoa completamente do serviço oferecido, não que o ar-condicionado fazia barulho e tinha que ficar desligado.

A poucos metros do grupo dos quiosques em que ficamos, ficavam também os carros dos campings, ou seja, pagaram muito menos pra ter a mesma experiência que a minha.

Fiz um passeio privado, que custou cerca de 600 reais o casal e serviu apenas pra passarmos frio. Não tem nada a ver com os passeios que são feitos no Serengueti, por exemplo, onde há uma perseguição ativa dos animais. No Etosha, os carros não podem sair da estrada e o guia tem só a função de motorista entediado. Foi um passeio desconfortante e desnecessário.

Não vou relatar em muitos detalhes também que o café da manhã se resumia a suco em pó e pão de forma disposto em pilhas, com potes de manteiga e geléia esparramados pelo balcão. Achei tão desinteressante que na segunda manhã resolvi provar o café alemão: feijão doce com uma salsicha preta.

Uma hora depois, no meio do mato, vendo uma quantidade enorme de montes de cocôs de rebanhos que haviam passado pela estrada, tive aquela sensação de ver chuva com a bexiga cheia pela janela do carro. Seguiu-se uma cólica e o resto foi só desespero. Uma tragédia pra mim. Pra Mariana, foi o dia em que ela mais riu no ano inteiro.

Resumindo, é uma hospedagem cara, um parque muito grande – que tem realmente muitos animais – mas que faz você depender da sorte de ver algo acontecendo perto da estrada. Os passeios pagos não acrescentam nada de diferente que você não possa fazer e as instalações deixam a desejar em conforto.

O Waterhole

No Serengeti eu vi muito de tudo, mas não vi rinocerontes. E eu sei que eles não são fáceis de serem vistos. Mas, aqui no Etosha, eu tive todo o tempo do mundo pra observá-los. Um grupo de pelo menos 5, mais um filhote bem pequeninho, ficavam a noite toda no bebedouro. Dava pra ficar a noite toda ali observando como a vida pra eles é lenta e o tempo não existe. Quando eles se iam, 20 minutos depois, chegavam outros. E quando iam, logo vinham outros. Grupos de elefantes, de girafas… Essa possibilidade de observar um animal selvagem, por horas, em silêncio, isso você não fará facilmente em outros safaris. Você tira fotos, mas, em certo momento, põe a câmera de lado e fica-se ali, olhando o animal apenas viver.

Sem dúvidas esse é um ponto muito positivo pra quem fica dentro do parque.

Mas, novamente, os desavisados são os que gastam mais: quando chegava um animal novo pra beber água, subitamente, aparecia um monte de gente, vinha gente correndo, uma dezena de pessoas, pra tirar fotos. Eu fiquei intrigado em como a fofoca entre os turistas era rápida e eficaz. Descobri que a fofoca era um canal no Youtube. Eles ficavam com esse canal aberto, que tem uma câmera transmitindo o bebedouro 24 horas por dia. Assim que um animal aponta ali, eles correm ver ao vivo. Ou seja, eu não precisava alojado perto de um lugar que você só visita à noite e que tem como saber o que acontece nele de qualquer outro quarto em que se estiver.

Acabei de entrar no site e tem dois rinocerontes lá. São meio carne de vaca ali, eu acho. Se quiser ver que bicho está passeando lá nesse momento, dá uma conferida:

O que eu faria diferente? Não ficaria no Etosha. Não mesmo. Ter passado de carro por ele durante o dia, circulado pelas estradas e visto dois ou três bebedouros já dariam boa idéia de como é. Eu seguiria viagem na estrada que leva a capital. Logo após sair do parque existem propriedades privadas enormes com seus próprios safaris, como o Ongava Game Reserve, por exemplo. Leões, ienas e todos os animais possíveis, seguramente com hospedagens mais confortáveis, boa alimentação e, muito provavelmente, pelo mesmo preço que gastei no Etosha. Um bom passeio de um dia elimina a necessidade de você ficar mais e te permite economizar de outras formas. Escolheria essa opção hoje.

A menos que se decida pelo camping, aí sim, o Etosha sairia mais em conta. No entanto, se a viagem for uma lua-de-mel, termine em grande estilo, não com o serviço de um departamento estatal.

Na manhã do 13º dia, depois de um contratempo com feijão, moitas selvagens e algumas peças de roupas perdidas, seguimos viagem em direção à capital, com uma última parada no caminho – e nossa última noite no país.

Cheetah Conservation Fund

A distância de Okaukuejo para Windhoek é uma longa estrada reta de 450 km. Pode ser feita no período da manhã se o seu vôo for à tarde, como no meu caso. Mas pode ser temerário estar a tantas horas do aeroporto ainda tendo que devolver o carro. Optei por dormir no caminho. Assim, depois de uma manhã livre no Etosha, seguimos para um centro de conservação de cheetas.

Chegamos perto das 15 hs e só havia a opção de um tour guiado para conhecê-las. Eles têm horários programados para vê-las correr ou se alimentar

 O instituto é grande, tem centros de pesquisa genética, museu e instalações para criação de outros animais. Inclusive de uma raça de cães específica treinada para proteger os rebanhos dos fazendeiros, diminuindo a caça ao animal.

Gostei de conhecer? Sim, é um daqueles projetos que faz a diferença pra espécie inteira do animal, e eu sou fã de cheetas. Compensou? Não. Chegar tarde ou ter pouco tempo para conhecer tira muito de tudo que poderíamos ter experimentado.  Além disso, a estrada que havia estudado para nos levar até o hotel estava fechada e demos uma volta de mais de 1 hora para chegarmos ao nosso último lodge.

Eu teria retirado essa visita do roteiro se soubesse como seriam restritas as opções de visitação e se soubesse como o último lodge seria tão legal! Trocaria a tarde pra ter ficado nele, sem dúvidas.

Estava sentindo falta de ver javalis, não havia visto nenhum, – só as placas na estrada desenhadas. Subitamente, uma família inteira pulou na frente do carro. Por muito pouco, nós no carro e o javali pai, não fomos de arrasta pra cima. Foi o único incidente com animais na estrada e fez todo o sentido a preocupação com limites de velocidade. Um pouco mais rápido ou um momento de desatenção – e um javalizinho seria órfão. E eu estaria encrencado.

Frans Indongo Lodge (R$ 1000,00)

Reservei este lodge para a noite do nosso 13º dia por conveniência, ficava a cerca de 30 minutos do parque dos cheetas, não fosse o problema da estrada. O que encontramos foi uma propriedade maravilhosa. É uma fazenda, administrada pela família proprietária. Possui muitos animais soltos e você pode caminhar entre eles. Os quartos eram enormes e a área de descanso e o deck, sensacionais. O jantar foi surreal de bom, uma das 3 melhores e mais românticas refeições que tivemos. Tem um córrego com peixes e muita vegetação percorrendo o hotel. Eu senti muito – muito mesmo – por ter chegado apenas nos últimos raios de sol e não ter tido bem mais tempo pra ficar ali, o lugar merecia.

Windhoek

O 14º dia começou com a saída do hotel pela manhã com mais 300 km de estrada rumo a capital. Tínhamos cerca de 3 horas livres para percorrer a cidade e fomos a um mercado turístico composto de várias lojas integradas. Havia muitos turistas e o estacionamento tem seguranças. Comprei mais algumas lembranças, entre elas, uma garrafa de gim da Namíbia, já que as de Amarula têm aqui em todo lugar. Pedimos uma massa na praça de alimentação, a garçonete falava português. Mariana mostrou as fotos do seu casamento e ficaram amigas.

Seguimos para a devolução do carro – que se resumiu em estacionar o carro e entregar as chaves. Nem mesmo precisei responder perguntas. Meia hora depois estávamos na van em direção ao aeroporto rumo à Johanesburgo. Nosso vôo saiu às 18 hs da Namíbia.

O aeroporto de Joanesburgo tem uma estrutura muito conveniente, ele fica conectado a alguns hotéis e, pouco depois de pegar as malas pode-se fazer check-in e estar num quarto confortável. No meu caso, haviam cancelado minha reserva e tive que passar por aqueles 40 minutos angustiantes numa fila pra saber se poderia ser acomodado. Deu certo, custou R$ 500,00. Na manhã seguinte, estávamos descansados, limpos e dispostos para o vôo de volta, com o quarto a 10 minutos do embarque internacional.

Encerro aqui a sequência de textos sobre essa viagem que nos marcou muito – seja pelo motivo pelo qual ela aconteceu, seja por toda a experiência que o país proporcionou, muito além de qualquer expectativa que pudéssemos ter.

Deixo salvo os stories das viagens nos destaques do Instagram, se tiver disposição e paciência, dá pra ver um pouco de tudo que relatei. Obrigado pela leitura, pra mim, foi um prazer poder revisitar essa viagem 1 ano depois.

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Foto de BLOG VIAGEMLOGIA

BLOG VIAGEMLOGIA

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