Minha primeira viagem ao exterior, que me permitiu planejar, programar e lidar com as inúmeras decisões a serem tomadas no planejamento das minhas férias ocorreu em 2006, numa viagem à Argentina. Nem mesmo o primeiro iPhone tinha sido lançado, selfies não eram comuns, a internet móvel era rara, o YouTube era uma novidade e o Google Maps havia sido recém-lançado. O Facebook ainda engatinhava, não existiam aplicativos para executar tarefas, nem conversas por mensagens, nem serviços bancários online.
O turismo, até cerca de 2010, ainda se assemelhava mais às viagens dos anos 90, do que seriam por volta de 2015. Os blogs de viagem ofereciam informações limitadas, com destaque para os fóruns, onde relatos desorganizados eram numerosos e exigiam muita leitura.
As empresas ainda não haviam integrado seus serviços à internet. As viagens ainda eram frequentemente organizadas por meio de guias turísticos, como Lonely Planet, Fodor’s, Frommer’s, Visual da Folha e, no meu caso, O Viajante, que foi o meu primeiro.
Gosto de pensar que a viagem é uma experiência de vida contida em um pacote. É capaz de nos marcar, deixar saudades, criar histórias memoráveis e gerar nostalgia. Toda experiência transformadora, como casar, ser pai, mudar-se ou começar uma nova carreira, acontece sem sabermos o que esperar dela, como será passar por isso ou quem nos tornaremos ao sair. Com as viagens é diferente. Elas são experiências de vida com prazos definidos, que, ao final, nos devolve à nossa rotina, contudo, um pouco diferentes.
A viagem faz parte da história da humanidade. Heródoto descreveu o Egito como um destino impressionante, uma “dádiva do Nilo”. Os gregos viajavam para os antigos Jogos Olímpicos. Os fenícios, pioneiros no comércio e na moeda, exploravam territórios.
Viajar, no contexto moderno da palavra, o turismo criado por Thomas Cook em 1808, pode ter evoluído ao longo do tempo, tornando-se menos uma experiência de vida e mais um produto de consumo. Quase ninguém viajava com o objetivo de compartilhar suas experiências; era uma busca pessoal pelo deslumbramento. Agora, viajamos para nos exibirmos. Virou lugar comum mostrar o quarto em que dormimos e o café da manhã que nos serviram.
Apesar disso, mesmo sendo um produto de consumo, a viagem agrega valor e ele permanece intangível. Como precificar a experiência de vida de um jovem morador de apartamento de cidade grande num tour pelo vale do Omo, na Etiópia? Quanto valem as memórias de uma lua-de-mel na Grécia? O preço das conversas com locais num pub da Europa Oriental? O valor de insights ao passar horas observando o movimento das pessoas num mercado público do Marrocos ou as revelações pessoais de se visitar a Terra Santa?
É certo que não é necessário vivenciar nada disso para se ser mais feliz ou sentir-se completo. Entretanto, ao considerar o turismo como um produto de consumo, acredito que este seja um dos melhores usos que as pessoas possam dar ao seu dinheiro.
As empresas de turismo são proficientes nesse aspecto. Elas oferecem pacotes bem organizados, visualmente atraentes, com todos os itens numerados e separados. Ao adquirir um pacote, você está comprando a experiência, o tempo, o conforto e o conhecimento. Isso tem valor.
A questão está em onde você encontra prazer. Para mim, o prazer não está em abrir o pacote e descobrir o que tem dentro. Está em escolher eu mesmo o que quero incluir, ainda que com erros, desperdícios e escolhas ruins.
Desenhar o conjunto de experiências desejadas, mesmo que sujeito a falhas, imprecisões ou insuficiências, possui ainda um caráter artesanal. Isso expande a experiência, te permite vivencia-la muito antes da data de embarque. Cabe somente a você buscar as opções existentes e decidir pelo que lhe interessa.
Criar um roteiro a partir do notebook, receber informações organizadas e reservar tudo remotamente tirou a emoção que devia existir pros aventureiros da era pré-internet. No entanto, ainda hoje, criar roteiros continua sendo trabalhoso. A facilidade trouxe consigo desafios: as opções aumentaram, o tempo é menos flexível, os custos subiram e a preocupação em não errar é maior.
Roteiros
Posso afirmar que, mesmo após me dedicar a criar dezenas de roteiros ao longo dos anos, nunca encontrei uma fórmula definitiva. Ainda experimento arrependimentos e faria correções, mesmo na minha última viagem. Contudo, acabei por desenvolver um modus operandi, uma sequência de ações que repeti até se tornar uma prática natural para me preparar para cada viagem subsequente. E sigo exatamente dessa forma:
Datas
Sempre tive minhas férias agendadas com bastante antecedência. Por vezes, menos de uma semana, outras, quase 20 dias. A primeira informação que eu tenho sempre é a duração da viagem, sempre.
Clima
Sabendo da duração da viagem, o próximo passo é considerar o clima. Evito hemisfério norte no inverno ou desertos no verão. Existem épocas ideais para se estar no Caribe ou na Ásia.
Motivo
Chamo de “motivo” o gatilho que desperta meu interesse. Sempre há um insight em algum momento, tornando um destino mais irresistível do que outros. Pode ser uma foto, um filme, um evento. Se torna uma desculpa e, a partir disso, construo todo o resto do planejamento. Um exemplo foi uma foto de uns turistas andando de bicicleta em uma estrada de terra, em meio à selva com um vulcão ao fundo. Ela me levou à Costa Rica.
O que tem lá?
Quando me faço essa pergunta, estou buscando todos os outros motivos que eu teria pra ir e que ainda desconheço. O que mais há para ver na Tanzânia ou na Bulgária? Quais outras atrações, passeios e cidades estão disponíveis? Consumo informações de todas as fontes possíveis, como blogs, notícias e fotos. Descubro lugares como o viveiro dos puffins na Islândia, que é possível de escalar o Kilimanjaro e um parque de diversões subterrâneo em uma mina abandonada na Romênia. Esse processo expande minha imaginação e dá cor ao destino.
Roteiro
Começo a desenhar o roteiro. Consulto sites de empresas de turismo que oferecem pacotes e leio blogs que sugerem itinerários para diferentes períodos, como 7, 10 ou 15 dias. Observo os padrões e anoto informações relevantes. Decido onde quero ir e o que quero ver. Quando me pergunto “quantos dias em cada lugar”, volto aos blogs (muitas vezes nos mesmos) releio e pesquiso mais detalhadamente. Digito “quantos dias na Cidade do Cabo” ou “roteiro por Lalibela”. Leio até estar satisfeito. Me faço perguntas cada vez mais específicas: se posso encurtar um dia aqui, se encaixa um bate-e-volta ali…
Itinerário
Distâncias, tempos e deslocamentos. Com a lista de cidades e lugares que quero visitar em mãos, começo a pensar na viabilidade. Uso o Google Maps para enxergar a geografia desses locais e uso o site Rome2Rio.com para conhecer as opções de transporte. Pesquiso informações sobre transportes já testados por outras pessoas. Isso envolve estudar onde ficam os aeroportos, tempos de deslocamento, como são as estradas para dirigir, como é por trem.
Vôos
Chega o momento de tornar a viagem real. É sempre emocionante porque é ali, comprando os bilhetes aéreos, que você diz a si mesmo “agora vai”. O processo é sempre o mesmo: uso o Skyscanner.com para observar preços, escalas e companhias aéreas. Os horários de partida e chegada ao Brasil são mais importantes do que a chegada ao destino, especialmente se não morar em São Paulo. Já comprei passagens em sites de tudo que é lugar, mas, agora, opto sempre pela compra direta no site da companhia aérea. Os voos internos, bilhetes de trem e aluguel de carros eu confirmo tudo na sequência.
Hospedagem
Encontrar e reservar a hospedagem é relativamente fácil, mas escolher pode ser um parto. Passo alguns bons dias pesquisando. Tem os muitos blogs de “onde se hospedar na cidade tal” e o Instagram, que é uma grande vitrine. A localização é crucial em cidades grandes. E sempre é bom associar com um pouco de estilo, uma vista e um bom café da manhã. Sempre usei o Booking.com, leio extensivamente os comentários. Também utilizo o Airbnb para experiências diferentes que sejam bem apresentadas, mas geralmente são os hotéis que superam as expectativas. Ao longo dos anos, uma boa hospedagem se tornou cada vez mais desejável.
Preparação
Passagens, itinerário, transportes, hospedagem, embarque e desembarque organizados, restam então preparar documentos, vistos, passeios e ingressos. Com o detalhe de que destinos mais exóticos merecem uma preocupação extra com os vistos. Todo esse processo leva semanas. Quando dou por concluídas as pendências, coloco tudo de lado e esqueço.
Só então, aos poucos, de maneira tranquila, começo a pesquisar e a consumir filmes, séries, documentários, livros, tudo que possa acrescentar um dedinho de riqueza na experiência da viagem. É quando se começa a viajar muito antes de sequer fazer as malas.
Pretendo compartilhar o que recordar e, aos poucos, documentar a felicidade acumulada em cada aventura que tive o privilégio de vivenciar.