Namíbia

Que viagem incrível foi essa!

Abril de 2024 foi um mês incomparável, coroado por uma viagem de quinze dias que culminou em ser uma das mais surpreendentes que já fiz.

Foi minha lua-de-mel, então, foi planejada pra ser marcante. Optamos por fugir do óbvio combo resort-praia-e-água-de-côco. Mas, foi também um tiro no escuro, uma aposta. Uma road trip pela África tem um grande apelo aventureiro: os lodges, safáris a cultura…  Porém, outras questões vêm atreladas: segurança, logística, estrutura, comunicação… Como faz se um carro quebra? E se eu me perder, sem internet e GPS? E se escurecer, como dirigir à noite? E a mão-inglesa?

Se fosse só pela aventura, nenhuma dessas questões seriam problema. Mas, nesse caso, era pra ser, do início ao fim, uma experiência única, livre de transtornos.

De toda a viagem, um único momento resumiu todos os meses de preparo, gastos e experiências que tive lá. Me perguntaram se valeu a pena – mencionei um breve momento, no vôo de volta em Johanesburgo, logo que nos acomodamos. Notei um silêncio, me virei e minha mulher olhava pela janela, chorando. Chorou só pra ela, numa explosão de sentimentos que se manifestaram ali, quando, finalmente, havia acabado. A abracei e ela disse: “foi a viagem mais incrível da minha vida”. Então, sim, valeu a pena.

Podia ter sido qualquer outro destino – vários foram cogitados – mas, no fim, acabei sentado pra ler e estudar a Namíbia. Assisti horas de vídeos de canais brasileiros e gringos, documentários e blogs. Por fim, criei meu roteiro e defini o que queria. Me fixei em dois relatos mais próximos do que imaginava e passei a montar um itinerário a partir daí.

Comprei um livro de viagem com mapas, um romance e fiz uma lista de filmes.

Desenhei um roteiro do geral para o mais específico. Quando já tinha a logística pronta, fiz os estudos de hotelaria, trajetos e pontos de interesse. Comprei as passagens, reservei o carro e esqueci. Só iria abrir esse pacote chamado Namíbia uns 4 meses depois, quando chegasse lá, sem lembrar direito dos hotéis e passeios. Quase tudo, uma grande novidade.

Minha ideia aqui é escrever um relato que gostaria de ter lido quando pesquisei, tirando dúvidas que levei pra lá e pontuando informações que acabei por confirmar.

O país

A Namíbia faz fronteira com a África do Sul tendo sido sua colônia. Teve, de herança, as regras de trânsito e o sistema bancário – que utiliza a mesma moeda.

Antes disso, foi colônia alemã e herdou a arquitetura, culinária, língua e uma série de outras coisas que a fizeram desse um país muito mais peculiar do que eu poderia esperar.

Também é o segundo menos povoado do mundo, lhe conferindo um território enorme e ninguém para morar lá.

Deve ser o país mais fotogênico da África subsaariana e com a melhor estrutura de turismo instalada, logo, é o mais fácil e tranquilo pra quem quer viver uma experiência de aventura sem arriscar ser realmente uma aventura.

Em geral, o roteiro turístico faz um giro completo pelo país, com distâncias grandes que requerem planejamento de vários dias com paradas bem pensadas ao longo dele.

Pode-se fazer um círculo em sentido horário ou anti-horário. Planejei a viagem no sentido anti-horário, por ser o mais comum, ao que parece. Mas, encontrei um argumento num comentário de fórum que me fez mudar de idéia: li que iniciar uma viagem com safaris, aldeias e cidades e terminá-la com longas horas em estradas desérticas podia dar uma sensação de anti-clímax ao final do tour. Contudo, começar pelo vazio, pela solidão e ir aumentando a concentração de atividades, daria uma sensação mais apoteótica para o fim do roteiro. Me convenceu – e, sim – concordei ao final, não faria diferente.

Ao norte da capital, tem o parque Etosha, um dos mais importantes do mundo, e, no trajeto até lá, inúmeras propriedades que oferecem diferentes experiências de safáris.

Ao sul, parques nacionais com desertos, cânions e a cidade de Luderitz, bem conhecida do nosso Amyr Klink. Subindo a costa, mais deserto e o cartão-postal do país: Sossusvlei. Se procurar por fotos da Namíbia no Google, 9 entre 10 serão de lá.

No litoral, na altura da capital, Swakopmund, uma cidade encantadora e singular: uma cidade alemã, de praia e africana. Ali fica o deserto mais antigo do planeta e a Skeleton Coast, onde existe uma coletânea de navios encalhados e colônias de animais.

Em direção à capital, as tribos de povos nativos que se instalam perto das estradas para captar turistas que estão em busca de fotos inusitadas.

Culinária saborosa, cultura, estrutura, hotelaria de boa qualidade, cenários estupendos, fauna abundante. Não tinha como dar errado.

Logística

Optei pelo vôo da TAM com destino a Joanesburgo. Vôo direto, 8 hs de duração, saindo no final da tarde e chegando na África do Sul às 7:25 hs da manhã. Dali, um vôo curto de 2 hs para Windhoek, a capital da Namíbia, às 10:40 hs, por uma empresa chamada AirLink. Esse horário me permitiria ter uma tarde toda na capital para retirar o carro, me instalar num hotel, descansar e preparar a jornada do dia seguinte.

Pesquisei bastante e não tive informações suficientes para saber se a troca de vôos na África do Sul era fácil e o tempo de escala, suficiente. Sim, dá e sobra. Todo o trâmite para pegar mala, atravessar a alfândega, refazer o check in e voltar à área internacional foi tranquila. Desembarquei na Namíbia 12:55.

O retorno, seria o inverso, com um vôo saindo para a África do Sul às 18:00, pousando às 20 hs em Joanesburgo. Existem hotéis grandes anexos ao aeroporto em frente ao terminal, muito conveniente para trânsito e têm diárias em média de R$ 400,00. O vôo de volta ao Brasil, no dia seguinte, programado para 12:55 hs, pousaria aqui às 19 hs.

Se no primeiro dia de viagem o trâmite de retirada do carro me ocuparia parte da tarde – o que me forçou a optar por pegar estrada só na manhã seguinte – no último dia, teria boa parte dele pra retornar à capital, passear pela cidade, devolver o carro e estar, sem pressa, no aeroporto 2 horas antes do embarque.

Essas seriam duas dicas que eu daria e que tornaram a viagem mais agradável: não apressar a saída, se dando a primeira noite de folga e não subestimando as distâncias e o tempo de viagem para a volta.

Boa parte do roteiro é feita com trechos de até 300 km de distância, que não são, de forma alguma, cansativos. Os campings são inúmeros e sempre com muitas placas indicativas ao longo da estrada. Os hotéis geralmente ficam em grandes propriedades, afastados da estrada. O que se vê são longas estradas vazias de estruturas humanas. Os lodges sempre tem refeições inclusas e os pontos de paradas possuem conveniências, terminais de saque e banheiros. Ou seja, basta traçar no mapa o caminho a ser percorrido e escolher os hotéis que mais agradarem. A estrutura de apoio estará lá.

Aluguel de carro

A Namíbia pede que você programe uma road trip. Alugar um carro e viajar é a única forma que eu enxergo como válida para o país. A regra lá são Hilux 4×4 com equipamentos de camping no teto. A imensa maioria das frotas de carros viajando pelo país são modelos semelhantes. Existem carros menores, mais simples, manuais e não 4×4. Mas, uma coisa é ter uma aventura, outra, é se arriscar. Não cheguei nem a considerar o aluguel de carros menores. Contudo, em toda a viagem, só cruzei com um carro parado que teve problemas – já sendo auxiliado por alguém. A internet está recheada de relatos sobre estradas ruins, atolamentos, pneus rasgados, distâncias entre postos de combustíveis e a inconveniente mão-inglesa.

As empresas de aluguel ficam na capital à 40 km do aeroporto. Alguém estará no desembarque te esperando para levar até o escritório onde te explicarão desde sobre as estradas, detalhes do carro e montagem dos equipamentos. O processo todo leva um tempinho, pelo menos 1 hora.

O aluguel também tem uma burocracia comum nos países africanos: você precisa pagar antecipado fazendo transferência para uma conta. A solicitação do aluguel é on-line, mas, a negociação e o pagamento são feitos por email subsequentemente. Tentei transferir via Nomad e não deu certo. Abri uma conta na Wise, transferi o dinheiro pra lá, paguei taxas, tentei a transferência e também não deu. Acabei fazendo via Banco do Brasil e pagando uma bagatela em taxas também. E ainda levou uns dias pro dinheiro cair lá e acusarem o recebimento. Precisa ter paciência com esses trâmites.

Estradas

Sobre os deslocamentos: 100% de tudo que se lê em fóruns é sobre o quanto demora, a sobre a qualidade das estradas e se vale o visual ou não de determinado desvio. Meu veredito: estrangeiros não tem a menor capacidade de fazer avaliação de qualidade de estradas. As estradas de terra lá são melhores que as asfaltadas do Paraná. Não tem buracos, não é pirambeira, não é um caminho que se perde no meio dum areião. São sempre sinalizadas, demarcadas e tem tráfego – ainda que esparso. Tem pontos de parada frequentes e os postos de gasolina – que não são tão poucos como fizeram parecer – são quase como um Graal ou um Rodoserv. Movimentados, com conveniências, banheiros, terminais de saque, etc. Nada como eu vi na Tanzânia – que se resumia a uma bomba de combustível com uma cobertura de Eternit – e só.

Realmente, os trechos são demorados, Mas são sempre uma infinita linha reta, com pista larga e paisagens, incríveis. Dirigir não cansa e não enjoa. Rodei 3500 km no total, e, somente no primeiro dia, 800 km. O visual muda o tempo todo e as paradas para fotos são frequentes.

São poucas estradas asfaltadas no país (eu fui acreditando que era apenas uma), e cruzei com bastantes caminhões. A preocupação maior era me acostumar com a distância entre o caminhão e o acostamento. Foi uma constante quase colocar a roda pra fora da estrada – numa dessas, cheguei mesmo a perder o controle do carro. De qualquer maneira, a tendência é se habituar. Nas estradas de terra existe a recomendação de se reduzir a calibragem do pneu e, para isso, você carrega um compressor e um relógio de pressão para controlar quando for esvaziá-los ou enchê-los. Tomo mundo faz isso e é uma função a mais pra se executar em um momento ou outro da viagem.

As estradas são de “gravel” como descrevem nos fóruns – que é basicamente brita. Se você correr é lógico que pode perder o controle numa virada brusca de volante ou se um bicho pular na frente. Eu manteve uma média de 70 km/h a 90km/h, em alguns trechos curtos, menos. Porém, muita gente não dava a mínima e me passava à toda. Usei o 4×4 em um único momento na viagem – o que foi frustrante porque eu pensava que ele seria bastante necessário. Na verdade, ele pode ser – por isso a recomendação – mas, na prática, ele é um fator de segurança. Em determinado trecho a traseira começou a escapar e decidi acionar o 4×4 pra aumentar a estabilidade. Nada que andar mais devagar também não resolvesse. Devo ter usado por apenas uns 30 km a viagem toda.

Comunicação

Internet, não tem na estrada, nem sinal de celular. Mas isso não é frequente, são algumas regiões. Perto de povoados e de cidades que acabamos atravessando, o sinal volta e o Google Maps atualiza. Ainda sim, sempre utilizamos o aparelho de GPS da locadora como backup. Serve mais pra ter uma noção de tempo de viagem, em nenhum momento nos sentimos perdidos.

Outro detalhe, não existe e-sim na Namíbia e os celulares mais novos que não usam chip físico não tem cobertura. Fiquei sem acesso à internet a viagem toda, só utilizando wi-fi em hotel ou compartilhando com o da Mariana, que pôde colocar um chip local. Custou coisa de R$ 50,00 reais por 18 gigas, instalaram no aeroporto e quem fez isso pra nós foi o motorista da empresa de aluguel de veículos. As tomadas são esquisitas! Tive de comprar adaptadores que nunca mais vou usar, acho.

Todos os hotéis eu reservei pelo Booking em colaboração com o Google Maps porque a localização deles era importante. Os hotéis podem estar todos numa mesma região mas a muitos quilômetros uns dos outros. Apenas um eu reservei pelo site Agoda – que foi uma novidade pra mim e a experiência de usuário foi tão boa quanto a do meu site de costume.

O inglês é a língua ofícial do país então a comunicação é ótima, todos os funcionários de hotéis foram mais do que simpáticos. Presenciei as reações mais hilárias com a Mariana mostrando a foto dela de noiva para todas as pessoas que conhecemos no caminho: guias, atendentes, recepcionistas.

Segurança

Seguro! Puxa vida, que legal poder dizer isso de lá, porque daqui eu não posso dizer o mesmo. É um país seguro sim: em momento algum, em lugar nenhum, senti algum receio.

No entanto, posso fazer uma ressalva: todos os estabelecimentos têm seguranças privados. Dos hotéis às lojas. Alguns restaurantes têm até sistema de leva-e-trás. À noite, as cidades ficam escuras e vazias. E uns pedintes quando se aproximavam, chegavam dizendo “não sou criminoso”, o que já era suspeito por si só. De qualquer forma, mesmo com essa sensação de segurança, aposto que se você sair desatento procurando problemas, você vai encontrar.

Alimentação e preços

A comida é boa! Nos primeiros dias procurei por um “restaurante típico”, mas, parece que tudo que comemos é o típico lá. É uma culinária bem misturada à alemã, com um prato ou outro com alguma cara de tempero africano. Se há maiores variedades, estão fora do alcance do turista. São viciados num negócio chamado Biton Bites, uma espécie de carne seca pra comer como aperitivo e tomar com cerveja. Tem carne de todo tipo de bicho com lojinhas nas cidades e nos shoppings. E são fãs de milk-shakes também, todo lugar tinha. São grandes produtores de ostras e em vários estabelecimentos elas estão disponíveis no cardápio. Carne de caça e peixes também são bem presentes. Se servissem carne de Orix no Brasil seria um sucesso enorme – é deliciosa.

As refeições nos lodges, geralmente os jantares, eram uma atração à parte. Farei uma única exceção ao hotel do parque nacional do Etosha, administrado por uma empresa do Estado, logo, todo o serviço – incluindo a comida – tem qualidade equivalente à serviço público: caro e ruim.

Os preços são ainda mais saborosos. É barato mesmo comer bem lá! As refeições mais caras, em bons restaurantes com bebidas, entradas, sobremesas, para um casal, não ultrapassaram R$ 250,00. As refeições medianas ficavam em 90 reais pra nós dois. Nem procurei os mais econômicos. Alguns passeios foram mais caros mas os preços se justificaram e o combustível também considerei um ser gasto considerável – devo ter gasto entre 2 e 3 mil reais com abastecimentos. Eu saquei dinheiro sempre que vi um caixa eletrônico ainda que a maior parte dos meus gastos tenham sido via Wise.

As gorjetas são uma constante – não tive nenhum controle de quanto gastei – a todo momento, ia embora uma nota equivalente à 20 reais. Num restaurante, paguei 20% em gorjeta de uma conta que já estava barata e a atendente agradeceu muito – era a maior contribuição de toda a semana dela (voltei com a impressão de que os turistas alemães não são muito generosos). Em seguida, a Mariana mostrou sua foto de noiva e viraram melhores amigas.

Dito isso, posso agora me aventurar a contar sobre o roteiro.

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Foto de BLOG VIAGEMLOGIA

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