Mal de altitude ou Soroche

Quando estamos programando nossas viagens, nem sempre é comum nos preocuparmos com a altitude do destino. Quatro regiões no mundo estão em altitudes que potencialmente podem provocar sintomas decorrentes do ar rarefeito: os Himalaias, no Nepal e Tibet, o Kilimanjaro na Tanzânia, alguns resorts de esqui no Colorado ( EUA) e a Cordilheira dos Andes. Portanto,  é comum para nós brasileiros nos deparamos com dicas com relação ao mal de altitude quando estamos montando um roteiro pela nossa vizinhança latino-americana. Em altitudes elevadas  somos expostos ao frio, baixa umidade, maior radiação ultravioleta e baixa pressão atmosférica, esta última, o motivo principal desse artigo.

Bom, devemos nos preocupar com o mal de altitude, ou como costumamos dizer por aqui, soroche, quando viajamos a lugares com elevação superior  a 2.500 metros acima do nível do mar ( AMSL), sendo mais comum acima dos 3.000m.  Por exemplo, Cusco está a 3.399m de altitude, La Paz a 3.625m, Valle Nevado acima de 3.000m, San Pedro do Atacama  a 3.159m e o Salar de Yuni a 3.663m.

Os sintomas mais comuns do soroche são: dor de cabeça, cansaço, insônia, falta de apetite, náuseas e vômitos.  Também é bastante comum o aumento dos gases intestinais e consequente flatulência, o que sempre gera muita piada,  assim como diarréia em algumas pessoas. Esses sintomas se resolvem com medicações sintomáticas em 2 a 3 dias.

Quando não realizadas as medidas de prevenção e a ascensão ocorre de maneira muito rápida, o mal de altitude pode evoluir para edema agudo de pulmão (quando os pulmões se enchem de líquidos) ou edema cerebral, que exigem cuidados médicos imediatos, descer para altitudes mais baixas e podem ser potencialmente fatais.

A suscetibilidade a desenvolver mal de altitude e suas complicações é basicamente genético, não importando se a pessoa é mais ou menos fisicamente condicionada. Apesar de que, pessoas mais fisicamente ativas e não obesas parecem se aclimatar mais rápido. Pessoas com problemas de saúde como doenças cardíacas ou pulmonares, diabetes e gestantes devem consultar seus médicos antes de viajar para altitudes elevadas.

São consideradas pessoas de maior risco de desenvolver mal de altitude aquelas com história prévia, principalmente se edema agudo de pulmão ou cerebral e aquelas com ascensões mais rápidas do que a ascensão gradual recomendada.

A COCA:

Em qualquer viagem a locais de altitude elevada nos Andes, você será exposto a diversos produtos baseados em folhas de coca (sim, a mesma da cocaína), seja em forma de chás, balas, cremes e folhas para mascar. Interessante que, apesar de todo o marketing envolvido e crença do povo andino nos benefícios da coca na prevenção do mal de altitude e aumento da energia e capacidade de trabalho, até o momento isso não foi comprovado. 

Apesar de alguns estudos pequenos terem mostrado uma maior tolerância ao exercício em altitudes elevadas, a Wilderness Medicine Society ( “medicina de áreas remotas”) não recomenda o uso de coca em detrimento de outras medidas ou medicações comprovadamente eficazes.

Arbusto de Coca (Erythoxylon coca), muito comum na Bolívia e Peru e crime se cultivada ou trazida para o Brasil .

Estudos arqueológicos mostram que o povo andino costumava mascar folhas de coca desde cerca de 1.000 anos antes da era comum.

MEDIDAS DE PREVENÇÃO:

Subir gradualmente. Evite sair de baixas altitudes para acima de 2.750m em um dia. Se possível passe uma noite em altitude intermediária ( 2.400-2.700m).

Uma vez acima de 2.750m, não dormir mais de 500m acima da altitude da última noite. A cada 1.000m de ascensão, ficar um dia extra nesta altitude para aclimatar.

Evitar bebidas alcoólicas e exercícios físicos intensos por 48 horas após chegar a altitudes superiores a 2.500m.

Dormir duas noites acima de 2.750m nos dias que antecedem uma viagem mais longa em altitudes elevadas pode ajudar a reduzir as chances de mal de altitude.

Algumas medicações podem ajudar na prevenção ou tratamento dos sintomas associados a altitude, principalmente se seu itinerário não permite ascensão gradual. Converse com seu médico sobre seus planos (ou veja os principais medicamentos logo abaixo).

Apesar de muito difundida a ideia de que se deve hidratar muito em altitudes elevadas ( fala-se em 2 a 6 litros por dia de água ou chás), até o momento não há evidências de que a hidratação previne mal de altitude. É importante manter uma hidratação adequada, já que a desidratação pode mimetizar os efeitos da altitude.   

PRINCIPAIS MEDICAMENTOS PARA PREVENÇÃO:

A principal medicamento utilizado na prevenção do mal de altitude é a acetazolamida, um diurético utilizado para tratamento de glaucoma e alguns casos de insuficiência cardíaca. Apresenta poucos efeitos colaterais e deve ser recomendados para pessoas com risco moderado a alto, principalmente aquelas que já apresentaram sintomas importantes em viagens prévias. Inicia-se o uso no dia anterior a viagem e mantém por 2 a 4 dias após a chegada em altitude elevada.

Outro medicamento importante é a dexametasona, e pode ser utilizada na prevenção como substituto a acetazolamida em pessoas com alergia a medicação ou que não tiveram acesso a mesma. Porém, no tratamento do edema agudo de pulmão e cerebral a dexametasona é a primeira droga de escolha.  

Outros medicamentos como paracetamol, ibuprofeno, dramin, podem ser eficazes no alívio dos sintomas enquanto o organismo se aclimata.

TRATAMENTO:

A maioria dos sintomas serão auto-limitados e vão melhorar após 2 ou 3 dias. Na presença de sintomas severos ou sinais de edema agudo de pulmão ou cerebral a principal medida é descer para áreas mais baixas, utilizar oxigênio e dexametasona. Oxigênio suplementar a 1-2 litros/minuto pode aliviar as dores de cabeça em alguns minutos e melhorar os sintomas em algumas horas, mas nem sempre estão disponíveis em volume suficiente em áreas remotas. Pessoas com sintomas brandos e sem sinais alarmantes podem permanecer na altitude que estão e usar analgésicos e antieméticos.  

Lembre-se que muitos destinos que envolvem altitudes elevadas, por estarem em regiões remotas ou sem muita estrutura hospitalar, podem não  contar com atendimento médico adequado, portanto é sempre bom conhecer os principais sintomas do mal de altitude, ter uma noção dos tratamentos e, se possível, contar com guias experientes e preparados para os primeiros socorros.

Boa viagem!

Leitura recomendada:

  1. Biondich AS, Joslin JD. Coca: High altitude remedy of the ancient Incas. Wilderness & Environmental Medicine. 2015 Dec 1;26(4):567-71.
  2. Caravedo MA, Mozo K, Morales ML, Smiley H, Stuart J, Tilley DH, Cabada MM. Risk factors for acute mountain sickness in travellers to Cusco, Peru: coca leaves, obesity and sex. Journal of travel medicine. 2022 Jul;29(5):taab102.
  3. Luks AM, Auerbach PS, Freer L, Grissom CK, Keyes LE, McIntosh SE, Rodway GW, Schoene RB, Zafren K, Hackett PH. Wilderness medical society clinical practice guidelines for the prevention and treatment of acute altitude illness: 2019 update. Wilderness & environmental medicine. 2019 Dec 1;30(4):S3-18.
  4. https://wwwnc.cdc.gov/travel/yellowbook/2024/environmental-hazards-risks/high-elevation-travel-and-altitude-illness

Leonardo Fleury Orlandini
@leonardof.orlandini

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