Windhoek, a capital.
Após o transfer da locadora nos levar até sua sede em Windhoek, recebermos as instruções e pegarmos as chaves, pudemos iniciar a aventura. Eu havia imaginado que sair direto para a estrada no meio da tarde seria imprudente e optei por passar a primeira noite numa boa cama, ajustar o fuso e ter uma primeira noite de lua-de-mel especial.
Com o carro em mãos e internet no celular, nos dirigimos a um supermercado, encontrei um terminal de saque e pronto, estava tudo preparado.
A cidade é grande, plana, com bem poucos prédios. Lembra Los Angeles sem os coqueiros e sem o trânsito. Em nosso último dia, passamos umas horas nela e fomos a um complexo de lojas turísticas. No caminho pra ele, vi museus, cervejarias, restaurantes, shoppings… A capital é mais interessante do que os blogs me fizeram crer. É válido tirar um dia para conhecê-la.
Por volta das 5 hs da tarde nos dirigimos ao primeiro hotel da viagem.
Heinitzburg
O hotel Heinitzburg (@heinitzburg – diárias R$ 1200) é um castelo construído no alto de um morro com vista para toda a cidade, um pôr-do-sol lindo e um restaurante ao ar livre sensacional. Pedi vinho para ela, ostras para mim, comemos carne de caça (Orix, que é deliciosa e repeti em todas as oportunidades que tive), custou R$ 250,00 e foi o máximo que paguei numa refeição pra um casal. Quarto grande, ricamente decorado e, a cama, uma nuvem. Na minha noite de núpcias – por causa das ostras – fiquei acordado, e – por causa do vinho – ela, apagou. Errei, fui moleque.
Café às 6 da manhã com lua ainda alta. Às 7 tudo estava pronto no carro. Os rapazes que guardaram as malas esperaram pela gorjeta, o que se tornou uma constante em toda viagem.
O primeiro destino seria Luderitz, uma cidade ao sul, escolhida inequivocamente, que fica a 800 km de distância. Era muito chão – entretanto, pareceu estar a apenas 100 km. O clima árido e desértico é muito sensível às variações de altitude e humidade. Por conta disso, tudo muda o tempo todo. A cada 50 km o visual mudava completamente, mudava a pista, mudava o horizonte, mudavam as cores. Em 800 km de estradas numa linha reta infinita e asfaltada, você passa por áreas só de dunas, depois montanhas vermelhas, montanhas cinzas, pastagens amarelas, cânions, planícies… não enjoa, não cansa.
O costume com a direção na mão esquerda veio com o tempo, mas, sendo uma via com fluxo de veículos esparsos, com pistas largas e em linha reta, a única preocupação era a distância dos veículos quando eu cruzava com eles, ou do pneu para a queda do acostamento.
Tive um único momento de erro na direção, que me assustou. Perdi o controle do carro por um instante justamente por causa desse desnível do acostamento que quase resultou num capotamento. Segurei o carro, lição aprendida, não aconteceu de novo (exceto no último dia, quando uma família de javalis surgiu do nada na minha frente, quase que eu e o pai fomos de “arrasta pra cima”).
As paradas eram muito melhores do que eu imaginava, sempre com caixas eletrônicos, mercadinhos e banheiros. Ainda sim, a sensação que se tem é sempre a de isolamento – que existe – mas é na medida entre se estar só e poder contar com outro carro passando por ali dali um tempo, pra pedir ajuda, se preciso.
Em certo momento cruza-se com a placa do trópico de capricórnio. Tiramos fotos igual todo mundo, ainda que ele também passe aqui a poucos quilômetros de casa. Compramos um tapete feito de pele de 4 Springboks na estrada. Ficam expostos nas cercas na beira da pista. Não eram tapetes com um acabamento ótimo, mas não eram caros. Toda a família veio oferecer e mostrar opções. Estava de bom humor e quis ajudar, negociei e fiz minha primeira compra no país. Depois disso, perguntaram se eu tinha algo pra comer também.
Carregamos o tapete no carro – que fedia a bode – por duas semanas, até ser confiscado na saída do parque Etosha e eu ser obrigado a assinar uma contravenção. Não entendi até agora se era contra a lei comprar o tapete ou sair do parque com ele. A polícia foi incapaz de se fazer entender e eu achei melhor, no final da minha viagem, não ficar arrumando bate boca com autoridade. Pensando a respeito depois, concluí que eles podiam ser frutos de abates clandestinos e não adquiridos de descartes.
O trajeto que fiz foi todo por via pavimentada. Segui até a cidade de Keetmanshoop onde viramos sentido litoral diretamente para Luderitz. Às 17 hs da tarde, após um trecho final que integra uma área de mineração, chegamos ao destino.
Às 18:30 tivemos o segundo pôr-do-sol da viagem. Ainda mais impressionante.
Luderitz
Luderitz é a cidade do coração do Amyr Klink. Ele saiu remando dali, no barco Paraty, na sua travessia solitária até a Bahia, em 100 dias. No livro que escreveu, “100 dias entre céu e mar”, conta que ficou meses ali preparando-se e programando a partida. Anos depois, voltou com as filhas para outra temporada na cidade. Esse foi um dos três motivos de tê-la incluído no roteiro. Existe uma placa comemorativa sobre o feito, mas, mal conservada, uma pena.
A cidade também tem passagens significativas na história da Namíbia, com histórias de resistência à invasores ingleses e de perseguição à povos nativos. Tudo isso, incluindo a placa do Amyr Klink, numa área chamada Shark Island, que é como uma praça, memorial e camping.
O turismo parece não ter despertado, ainda. Não há muito o que fazer, não há lojinhas turísticas, quase não achamos lugares para jantar, tudo fecha muito cedo, não tem movimento nas ruas, poucos turistas. Porém, tudo muito barato! O próprio Amyr menciona o baixo custo de vida lá.
O jantar na primeira noite foi no único lugar aberto, com alguns poucos turistas. Pedi frutos do mar que vieram fritos. Na noite seguinte, no hotel, jantamos uma pizza simples. Mas, o almoço, acertamos: restaurante português, clima de praia, ao ar livre, tocando música brasileira, nos serviu camarões e ostras.
A cidade é fria e ventosa, assim que o sol se põe a temperatura cai bastante. As guesthouses são familiares que ficam em subidas íngremes. A nossa ofereceu um confortável quarto com bolsas de água quente colocados sob nossos cobertores – Hotel Alte Villa Gastehaus (diárias R$ 400,00).
Em Luderitz, ficamos duas noites.
Fizemos um passeio na manhã seguinte de barco pela baía, que parecia ser o único tour oferecido e só confirmou o que eu imaginei: não tem muito o que fazer mesmo. Nos mostraram focas, flamingos e um farol. O resto foi ficar expostos ao vento e passar frio. As informações sobre a economia, do porto e da exploração de minérios foram bem legais, eu gosto dessas informações. Note que o passeio em si tem pouco o que mostrar, mas tem um valor histórico relevante: o farol foi erguido perto da Cruz de Diaz, que marca uma parada que Bartolomeu Diaz fez quando circundou a África buscando chegar às Índias, em 1488. Ele parou ali com as caravelas portuguesas. É possível imaginar vagamente a grandiosidade do feito, com todas as dificuldades que enfrentaram naquele cenário inóspito, observando de um barco motorizado, com cobertores e uma xícara de chocolate quente com Amarula.
Um alemão que estava hospedado no meu hotel se interessou pelo meu carro, conversamos um pouco e descobri que ele havia ido para Minas Gerais fazer negócios com produtores de lá. Deixou o número dele comigo porque queria comprar cana-de-acúcar – ou pinga – não entendi bem. Nunca retornei. Perdi uma oportunidade?
Kolmanstop
Saímos do passeio perto das 10 da manhã e seguimos direto para Kolmanstop, que fica a uns 15 minutos dirigindo do porto – o segundo grande motivo de estarmos lá. É uma cidade fantasma – criada do nada pela descoberta de diamantes em 1910 e abandonada duas décadas depois, subitamente, quando a mineração decaiu e novos sítios foram descobertos.
Enquanto esteve ativa, a cidade foi vibrante. Chegaram a coletar, na época, 10% de todo o diamante produzido no mundo. E era coletado com as mãos, solto na areia. Quando começou a esgotar, abandonaram tudo como estava – já não havia meios de sustentar a cidade – e a areia tomou conta. Hoje, serve de cenário pra ensaios fotográficos e filmes de terror. Recentemente, apareceu no seriado Fallout da Amazon Prime. As fotos, realmente, ficam incríveis. Existe um tour guiado de 1 hora que explica muita coisa, mas, o divertido mesmo, é explorar os prédios e fotografar.
A casa do prefeito, a casa do médico, o hospital, o salão do restaurante, a rua de comércio, a padaria, tudo ainda está lá. As vidraças, as pinturas nas casas, os banheiros com banheiras, jogos de sombras e luz entrando pelas frestas, ranger da madeira pelo vento, o cenário das dunas ao redor. O aspecto de cidade abandonada com cômodos tomados pela areia é uma combinação única no mundo. Perto dali, existe uma cerca que delimita a área de atuação da companhia de mineração que ainda está ativa. Atravessá-la pode resultar em prisão, multas altíssimas ou morte. A mineração sempre foi defendida com unhas e dentes nos países africanos.
Todo esse diamante foi depositado ali pelo mar que cobria aquela área milhares de anos atrás. Hoje, existe bem mais atividade dos barcos que extraem os diamantes do fundo do mar com aspiradores. Aliás, 80% de todo diamante do mundo é coletado assim.
A parte da memoriabília e museu conta como era a vida na cidade e tem uma parte interessante mostrando as inventivas maneiras que os trabalhadores usavam na tentativa de contrabandear os diamantes.
A visitação fecha à 1hs da tarde – o que é uma pena já que daria pra ficar o dia inteiro lá. Eu teria ido logo no início da manhã, se soubesse. Fui o último a ir embora.
O resto do dia foi passear à esmo pela cidade. A igreja Luterana é bem presente e a principal fica num ponto elevado da cidade e fica aberta durante 1 hora por dia, apenas – achei curioso. Tivemos um terceiro pôr-do-sol impecável, a temperatura caiu, usamos toda a roupa de frio que havíamos levado e jantamos no hotel.
O início do 4º dia da viagem seria o terceiro motivo do porquê ir até Luderitz. Voltaria a pegar estrada, desta vez com mais aventura – metade do dia seria atravessando uma região desértica por uma das estradas consideradas mais bonitas do país e, a outra metade, nos hospedando numa propriedade que seria uma surpresa que eu havia preparado – e que acabaria por ser o hotel mais incrível que eu já havia me hospedado na vida.