É no norte da Nova Zelândia que fica sua capital, Auckland. Essa é a região mais habitada do país, mais urbanizada, mais populosa. A região sul é vazia, demografia esparsa, terreno mais acidentado, mais selvagem. O país basicamente é dividido dessa forma e cada região tem um apelo turístico diferente.
A principal cidade do sul, Queenstown, foi escolhida como base da minha viagem, não sem antes eu ter passado uma noite em Auckland. Queria celebrar o fim da longuíssima viagem e dar início às celebrações da semana de Natal. Só me lembro de ter estado num bar animado num píer – e das cervejas.
Viajar pela Nova Zelândia é fácil porque tudo lá parece ter sido feito com a idéia de que alguém viria, de algum lugar, pra ver aquilo tudo. São lugares de fácil acesso, sempre com estacionamentos, repletos de informações. Não é um lugar pra se contratar pacotes turísticos. Lá a regra é o “viaje você mesmo”. O único senão é a mão inglesa. Nunca consegui sentir firmeza em pegar um carro de volante trocado. Quem dirigiu foi meu amigo, fiquei encarregado da playlist do rádio.
Queenstown é a capital mundial dos esportes radicais. E esse não é um título de propaganda do tipo “Las Vegas, cidade do pecado” – que te vende uma idéia e, quando você chega lá, todo mundo está se casando. Foi ali, por exemplo, onde inventaram o bungee jump. O principal esporte do país – Rugby, o futebol deles – inclui trombadas, contusões, fraturas e sangue. O super popular mountain biking é quase suicídio.
Então, o tempo todo, você vai topar com opções de coisas pra fazer que envolvem terra, mar, ar e velocidade. E, quando se fala em esporte radical, é radical meeeesmo. Nada é light, não tem nada pra idosos, nem pra obesos e nem tem aquela pergunta do banana boat (com ou sem emoção?).
QUEENSTOWN
Queenstown é uma cidade toda perfeitinha, num vale, com montanhas em volta, à beira de um lago. Você acorda pela manhã, anda 2 km de carro e já parou 3 vezes pra tirar fotos.
Ali, na cidade mesmo, existem inúmeras opções pra você se divertir tentando se matar. Uma trilha pra subir uma das montanhas que margeiam a cidade, te dá uma vista inteira da baía. Por trilha, leia-se íngreme, acidentada e cansativa.
Existe um outro lugar por onde pode-se subir de teleférico e descer de bicicleta, fazendo downhill – a idéia era essa. No topo, existe uma estrutura para o aluguel de bikes preparadas, que sobem presas ao teleférico depois. Existiam três pistas pra descer. A mais leve incluía rampas de mais de metro e uma velocidade de uns 40km/h segurando no freio, passando raspando entre troncos de árvores. A mais intensa, era se jogar num abismo. Eu não tinha seguro de vida. Não fui.
Lá também pode-se visitar os Kiwis, os passarinhos típicos, símbolo do país e bem esquisitinhos. Contudo, eles têm hábitos noturnos, então, só dá pra visitá-los no fim do dia numa estufa. Também te dão a chance de assistir a uma apresentação do haka, aquela dança Maori que a seleção de rugby executa e que todo mundo acha legal.
De outro ponto você pode descer por aquelas pistas de alumínio num carrinho de rolimãs que você controla com os pés e freia com as mãos. Nesse eu fui, confiei que ter feito isso na infância me conferia habilidade tardia. Nm metade da pista apenas tentei frear porque ele só acelerava, na outra metade só torci pra não passar reto na próxima curva. Não é possível que aquilo não jogue um turista ou outro pra fora toda semana.
No lago, havia uma lancha que fazia um passeio, alguma coisa jet. Era uma lancha comprida e deviam caber umas 20 pessoas. Te colocam numa cadeira com cinto de segurança de 3 pontos. O “passeio” é a 130km/h, e, a cada minuto, a lancha dá uma guinada de 360º graus, um negócio que joga teu cérebro pra um lado e os pulmões pra outro. Não é que ele fazia uma curva fechada – era uma estilingada, sem aviso. Muito mais intenso que montanha-russa de parque americano. O barco mal toca na água. Não é possível que aquilo seja seguro.
Tinha um cara vestido de Papai Noel em cima daquelas plataformas que soltam um jato d’água em que ele sai flutuando e fazendo piruetas. Por um valor lá, você subia com ele e ia dar cambalhotas a 20 metros do nível da água. Nenhuma proteção.
Fui visitar, já na estrada indo mais ainda ao sul, o local do primeiro bungee jump do mundo. Num precipício com um rio caudaloso lá embaixo. A idéia era pular. Benzadeus que estavam sem vagas.
Não escapei de uma outra peripécia, um passeio de quadriciclo. Comprei o passeio na cidade e assinei um termo. O folder eram jovens sorridentes no alto dum morro, com uma vista ao fundo. Eu queria ver paisagens num passeio motorizado. No dia seguinte, saímos na hora combinada e nos levaram para uma espécie de fazenda. O guia era campeão mundial do negócio. Eu nem sabia que aquilo era um esporte, nem que se ganhava campeonato. Perguntou que esporte cada um praticava, se alguém era surfista ou fazia motocross (nunca é se alguém tem pressão alta ou alguma fobia). Nos paramentamos da cabeça aos pés. Nos foi mostrado como eram os controles e como compensar as curvas com o peso do corpo – achei exagerado. Eram 6 quadriciclos mais o do guia, que iria mostrar o caminho, devíamos apenas seguir em fila.
Demos umas voltas numa pistinha de terra ali mesmo. Estava preocupado que ia ser um saco tirar a luva toda hora pra alcançar o celular pra tirar fotos das paisagens, já que ele estava enfiado por baixo das minhas roupas.
Então, o guia abriu um portão e seguimos atrás. Isso foi no penúltimo dia na Nova Zelândia e vi que realmente não havia como escapar: os caras não estão lá pra brincadeira. Nada lá é um passeio no Banana Boat onde o risco maior é você perder a sunga na água. O cara acelerou, quem estava atrás acompanhou, e assim foi. Eu não faço idéia da velocidade que peguei, não tenho noção do risco que corri, não sei como não capotei. Eu rampei com aquele negócio, ram-pei. A terra que o veículo da frente levanta apaga toda tua visão periférica. Você foca apenas no fluxo da poeira e nos dois metros visíveis de pista na tua frente.
Não era um passeio pra fotografar paisagens, não havia paisagens. Era uma pista de corrida off road numa fazenda. Entendi o porquê de precisar tombar o corpo: se não fizer, o carro não completa a curva e você voa dela.
Eu voei. Arrebentei o quadriciclo numa porteira. Perdi o controle algumas vezes. Errei uma lombada e o quadril subiu – se a mão escapa, não dá pra saber onde você pode parar – voltei com tudo no banco e meu joelho bateu com força no paralamas, que se partiu em dois. Só não seria uma dor maior que a de ser o único a desistir.
Numa outra pirambeira que o carro chacoalhou eu caí todo o peso do corpo no punho esquerdo. Ali eu achei que não daria mais. Esse punho doeu dias e noites, inchou, a mão não fechava. Voltei pro Brasil suspeitando de fratura. Preferi não saber.
Escondi o paralamas estragado do guia, manquei escondido, não reclamei do punho. Comi terra, sorri e tirei uma foto. Essa é a experiência num país que cumpre o que promete.
Fiz ainda um passeio de 30km de bike por um circuito todo demarcado, que passa por pontes, estradas e fazendas de ovelhas. Você aluga a bicicleta, olha um mapinha e segue. Se eu pudesse voltar lá, esse seria o passeio que eu faria de novo. Deve ser o sonho de todo mundo que pedala no Brasil, e que pega estrada de terra, fazer um percurso daquele. Era bonito demais. E foi, de longe, o menos perigoso e mais lento de todos os passeios que fiz. O risco ali acho que era ir longe demais e se perder. De qualquer maneira, o trecho básico eram 30 km e, quando retornamos, já estava escuro.
Pra não deixar de dar uma dica gastronômica, no centro fica a hamburgueria chamada de Fergburger. Fácil de achar por causa da fila. A propaganda é a de ser o melhor hamburguer do mundo (levando-se em conta que o resto do mundo não sabe da existência dele). Porém, deve ser a hamburgueria mais bem sucedida do mundo, a fila está sempre lá, seja qual for a hora do dia.