Quarto dia
Foi o início de um dia muito aguardado no roteiro. Seria o começo da viagem pelas desertas estradas de terra do interior do país. Fiz uma pesquisa bem extensa sobre a dirigibilidade nesses trechos e posso dizer que aproveitei pouca coisa. No fim das contas, tive que estar lá para ver como seria.
A viagem seguiria para Sossusvlei, o cartão postal da Namíbia. Uma viagem longa – cerca de 500 km – toda em estrada de terra e, portanto, relativamente lenta. Por ser um trecho cênico, as paradas são recorrentes e havia a possibilidade de contratempos. Esse é um dos trechos de estradas consideradas entre as mais bonitas do país – regiões ermas e que passam por reservas naturais e desertos. Eu queria desfrutar desse ponto da viagem com calma, por isso, optei por fazer uma parada de uma noite ao longo do caminho.
Planejei retornar até Aus, cerca de 1:30 hs pela estrada asfaltada B4 (as estradas são todas nomeadas por letras e números, é fácil se localizar), caminho que já havia feito para chegar à Luderitz. Ali, pegaria a C13, de terra, e, a meio caminho antes da próxima cidade, uma terceira estrada – vicinal – que, segundo li, recebe menos manutenção que as demais: a D707. Ela descreve um arco, passa por uma reserva e foi referenciada como uma das mais belas pra se dirigir – li relatos sobre as dificuldades de direção e de possíveis atolamentos na areia.
A estrada D707 termina numa irmã da C13, a C27, numa região chamada Spes Bona e, dali para Sossusvlei, seriam mais 3 horas.
Passei a pesquisar opções de hospedagem ao longo da D707. Saindo cedo de Luderitz, poderíamos viajar com tranquilidade, parar para fotos, curtir o trajeto e chegar tendo o resto do dia para aproveitar a hospedagem.
Realmente, o Booking tem poucas opções de hospedagem pra algumas regiões do país. O Google Maps pode auxiliar bastante a encontrar mais hotéis além de ajudar a visualizar sua localização – eu queria ficar exatamente entre a metade e o fim da D707.
Nessa região, a hotelaria predominante são hotéis fazendas – que imagino ser a forma mais tradicional de hospedagem na Namíbia. A ocupação das terras do país se deu por colonos que assumiram propriedades rurais. Uma dessas, inclusive, retratada em um livro que virou filme da Disney “Viagem ao Grande Deserto”. Muitas delas exploram o turismo agora. Todas as que vi pareciam interessantes e agradáveis.
Foi quando encontrei, entre estas opções, numa localização fora da estrada (o Google Maps sequer consegue traçar o caminho até lá), pouco antes de Spes Bona, um hotel chamado Zannier Hotels Sonop. Fui buscar as fotos e… esqueci de todos os outros. Era o hotel perfeito pra uma lua-de-mel. Tratei de pesquisar tudo sobre ele e terminei num site chamado Agoda, por onde fiz a reserva. Paguei R$ 2700,00, pensão completa.
Vou deixar registrado que a experiência de usuário que tive neste site foi tão boa quanto a do Booking.
Mais tarde eu viria a saber que Zannier é uma rede de hotéis de luxo que investem muito em projetos arquitetônicos e serviços, com unidades no Cambodja, Vietnã e França.
D707
Saímos de Luderitz planejando estar no hotel às 14 hs, horário do check-in, pra aproveitar ao máximo o tempo lá. Assim que cheguei a Aus e entrei para a C13, iniciou-se a jornada nas estradas de terra que duraria quase o restante todo da viagem. Foi preciso parar pra murchar os pneus, outros carros pararam atrás de mim e fizeram o mesmo.
Já comentei aqui e vou repetir: as estradas são muito melhores do que me fizeram pensar. São largas, planas e retas, na grande maioria, de brita. Soube recentemente de um acidente de um casal de médicos brasileiros que bateu o carro no primeiro dia de viagem no qual morreram 8 pessoas, só o médico sobreviveu. Acredito que possa ter perdido o controle pelo mesmo susto que tive: pode ter tirado o carro para a esquerda na mão-inglesa e acabou entrando no acostamento. Na tentativa de voltar à pista, atravessou na contra-mão e colidiu. À parte de fatalidades assim, nada mais lá é preocupante: eventualmente passam carros, tudo é sinalizado e, se houver um atolamento ou um pneu rasgado, haverá um transtorno, mas não um grande problema.
A estrada realmente é bonita. O horizonte, a cor do deserto, os animais. Paramos diversas vezes para fazer fotos. Não há como descrever aqui o alaranjado das montanhas e os arbustos amarelos secos a perder de vista. A sensação de ouvir uma música preferida, dirigir no completo isolamento, ver o poeirão no retrovisor e sorrir pra quem está ali sentado ao teu lado dividindo aquele momento com você, é sem igual.
Não há internet em nenhum destes trechos. Havia incluído um GPS no aluguel – que foi bastante utilizado – e acompanhamos ainda tudo pelo mapa físico. Tanto o Google Maps quanto o GPS ajudam a dar uma orientação de direção e distância aproximadas, sem muita precisão. Antes de começar a se sentir perdido, uma estrada ou indicação aparecem e você se localizada novamente.
A D707 foi a estrada mais arenosa pelas quais viajei. Notei uma preocupação excessiva dos gringos descrevendo-a como feita para motoristas experientes. Balela, eram 5 cm de areia em alguns trechos, e só. Foi o único momento em toda a viagem em que acionei o 4×4 do carro – que deve ser sido por meros 20 km ou 30 km – porque senti perder a traseira do veículo em alguns momentos. Isso porque eu queria manter a velocidade, se dirigisse mais devagar, não precisaria.
Zannier Sonop Hotel
Passei por inúmeras placas de hotéis fazendas, você não vê as estruturas por ficarem afastadas da estrada. Quando encontrei a placa do meu, havia uma estradinha, pra um carro só, que terminava num portão de fazenda. Mais 9 km e chegamos a uma região com rochas enormes, formando pequenas montanhas. Chegamos a um estacionamento. Um animado funcionário se apresentou, pegou nossas coisas, transferiu pra uma pickup e seguimos mais uns quilômetros. Ali comecei a ver quão maravilhosa era a propriedade; uma planície enorme, cercada por montanhas, com algumas formações rochosas altas e uma montanha – semelhante a um vulcão – no meio da planície.
Em certo momento avista-se o hotel: cabanas instaladas em umas dessas formações rochosas, viradas de frente para a planície. Chegamos a uma rampa de madeira que parece uma pequena montanha russa, com carrinhos de golfe pra nos levar até o topo.
A entrada do hotel – nunca vi nada igual – uma tenda ricamente decorada, seguido de um pátio e uma tenda ainda maior, que serve como restaurante e lounge, com um deck de frente pra toda a planície e com as cabanas espalhadas abaixo.
O hotel emula um acampamento de safari dos anos 20 e tudo lá evoca esse espírito. Chifres, espingardas, fotografias antigas, baús revestidos em couro… Chegamos precisamente às 14 hs e nos serviram bebida de boas vindas e nos acomodaram para o almoço. O cardápio é variado e apenas algumas bebidas não estão inclusas. Pra minha surpresa, nem ali eu senti o peso dos preços. Um drinque saía na faixa de 25 reais, um suco, R$ 18,00, uma porção, R$ 40. Nada diferente de qualquer resort por aqui. A refeição foi espetacular, a vista era um negócio mágico, estávamos deslumbrados com cada detalhe desde o primeiro minuto. Quando estávamos prontos, nos levaram ao nosso quarto.
Poxa vida, que quarto! Um perfeito acampamento de luxo vintage, com luneta, armários revestidos em couro, bússola, livros. Até a banheira é antiga e todo o encanamento em cobre. Toda a decoração do hotel é original, comprada em antiquários na Europa.
O hotel possui uma piscina na parte mais baixa, incrustrada entre rochas, com um bar à disposição, uma academia e um spa. Um vídeo desse hotel que viralizou no Instagram mostra a uma tela de cinema instalada junto à piscina, ao ar livre, pra você assistir do deck. O filme na minha semana era Titanic e custava 50 reais por pessoa. Outras atividades lá incluem passeio de bicicleta elétrica, passeio com café no pôr-do-sol e passeio a cavalo pela manhã.
Era possível ver o nascer e o pôr-do-sol lá de cima. Acompanhar o tom alaranjado do fim de tarde, com as sombras cobrindo lentamente o campo e as rochas, foi espetacular. O jantar, ao ar livre, com um céu muito estrelado e uma lua cheia foi outra atração da qual não esqueceremos.
Na manhã seguinte fizemos o passeio a cavalo. Pegamos capacetes e binóculos estilo anos 20 para compor o visual. O transporte até os estábulos já é um passeio. Fomos acompanhados por um menino trajado de cowboy, dono da sua própria fazenda e que trabalha ali nos períodos de folga. E ele adorava aqueles cavalos. O passeio é lento, bem ao estilo europeu sem emoção, mas a propriedade é mesmo muito bonita e conhecer um fazendeiro namibiano foi uma oportunidade.
Usei a academia, a piscina, caminhei pelo entorno, fiz tudo que podia ser feito. Ficamos no hotel até às 14 hs da tarde, com direito ao almoço desse dia, ainda. Cada minuto foi aproveitado. Com nossas malas já de volta à recepção, vieram nos buscar no carrinho e fizemos o retorno para o trechinho final da D707 em direção ao nosso próximo hotel, a umas 3 horas dali – outra experiência muito legal – na região de Sesriem, para visitar o cartão postal da Namíbia.