Esse texto é o relato da nossa trilha, com o intuito de servir como inspiração e guia inicial para quem deseja viver essa aventura.
Apesar de Cusco ser uma cidade interessante e o Vale Sagrado merecer uma visita, o motivo real da viagem foi a famosa trilha Inca.
Há principalmente três formas de chegar a Machu Picchu, localizada a cerca de 100km de Cusco, a 2800m de altitude.
A mais tradicional é indo de trem direto de Cusco, ou um trecho de ônibus/Van até Ollantaytambo e de lá o trem até Machu Picchu Pueblo ou Águas Calientes, o vilarejo que serve de base pra quem vai visitar Machu Picchu. A viagem dura em torno de 4 horas e, apesar de muita gente fazer o esquema bate-e-volta, é muito mais interessante programar uma noite em Águas Calientes e subir bem cedo para a Cidade Sagrada.
O trecho de Águas Calientes a Machu Picchu é feito de ônibus, dura cerca de 25 minutos e custa 12 dólares o trecho. Funciona das 5:30 as 17:30. Também é possível subir os 10km ou 1700 degraus a pé, mas é um pouco cansativo.
As outras duas formas de conhecer Machu Picchu são caminhando pelas trilhas Incas.
A trilha Inca clássica, que segue o caminho original utilizado pelos quechuas, tem um número limitado a 200 turistas por dia e necessidade de reserva com pelo menos 6 meses de antecedência. O foco principal são as ruínas e a cultura Inca, em 43 km percorridos em 4 dias. Tem dificuldade moderada e atinge altitude máxima de 4200m. O ponto alto é chegar em Machu Picchu a pé, pela Porta do Sol ao amanhecer do dia e ver a cidade perdida lá de cima. A Porta do Sol (Intipunku) não é acessível a quem visita Machu Picchu pelas vias normais, apenas para quem chega pela trilha clássica.
A trilha Salkantay, que escolhemos, é mais exigente fisicamente e tem como foco as belezas naturais e paisagens de montanha, além de ser mais isolada. São 62km percorridos em 5 dias, com altitude máxima de 4.525m.
Reservamos com antecedência na empresa Salkantay Trekking, muito bem avaliada no Instagram e no Tripadvisor. Foi uma escolha acertada. Já na reunião, na véspera do início da caminhada, conhecemos nosso grupo, o guia e os detalhes do que nos esperava nos próximos dias.
Mapa da trilha
DIA 1
Saímos do Hotel às 4:00 da manhã, andamos duas horas de Van até Mollepata onde tomamos um café da manhã caprichado em uma casa simples. Nosso guia foi o Alex ( AKA Leão da Montanha) e nosso grupo era composto por um Inglês mecânico de helicóptero, uma sueca que trabalha com ética em uma empresa de cadeiras de rodas, um pediatra de Toronto, um geneticista e pesquisador de Toronto e um geólogo, também canadense, além de nós quatro, brasileiros.
Após o desjejum, seguimos por mais 1,5 hora de van até chegar a Challapancha onde usamos o banheiro, ajustamos os bastões de caminhada e iniciamos o Trekking.
Vale dizer que cada um caminha apenas com uma mochila contendo os itens necessários para o dia. Uma bolsa de até 5Kg por pessoa é transportada por mulas que vão junto com a equipe de apoio, nosso chef de cozinha e seu auxiliar.
Após uma subida rápida para aquecer os motores, seguimos por 3 horas de caminhada plana até Soraypampa, onde fica o Sky Camp, nosso primeiro a acampamento.
Após guardar as coisas, almoçamos (saladas, sopa, truta, arroz, batatas, chá e suco). A comida é muito boa, na medida do possível e do isolamento do local.
Às 14:00 horas saímos para o grande teste do dia, a subida até a laguna Humantay (a 4200m de altitude). O trajeto é curto, mas os guias usam como parâmetro para avaliar quem conseguirá fazer a caminhada do dia seguinte ou vai precisar alugar mulas para o transporte. Claro, pagas a parte.
A subida foi cansativa pela falta de ar, com 2 pontos bem íngremes. Não passamos mal. A vista compensa muito. A Laguna, na minha opinião, com a montanha nevada ao fundo, é a paisagem mais bonita e desejada do trekking. Eu já havia visto e imaginado esse lugar muitas vezes enquanto programava a viagem.
Ainda subimos uns 150 metros a mais pelas pedras para tirar a foto lá de cima, onde o azul fica ainda mais evidente.
A descida é cansativa. As 18:30 nos encontramos no refeitório para snacks, jantar e instruções para o dia seguinte.
Nada de banho (apenas lenço umedecido). Nada de calefação. Energia elétrica somente até as 21:00 horas.
A noite foi muito gelada.
Ali descobrimos um detalhe que não conhecíamos com relação a altitude. Com a menor pressão atmosférica, os gases tendem a ocupar um maior volume, provocando muita flatulência (pum) e diarréia em alguns (puro glamour!). Nada muito tranquilo sair do Domo/quarto naquele frio, com a lanterna, para ir ao banheiro, que é aberto na parte de cima.
DIA 2
Acordamos às 4:30 com um chá de coca trazido pelo guia na porta do quarto. Arrumamos as coisas, tomamos café da manhã e as 6:00 saímos para o paso Salkantay, o dia mais desafiador da trilha. Os três canadenses sentiram a caminhada do dia anterior e foram orientados a subir de mulas.
A subida compreende 7km, divididos em 4 partes, duas subidas moderadas e duas subidas íngremes, sendo o 2º trecho o mais difícil (conhecido como “gringo killer”).
Na primeira subida fomos apresentados à famosa e energética folha de coca (que não tem evidências de que realmente funciona mas faz parte do paseio).
Neste momento você deve esquecer a questão sanitária. As folhas ficam dentro de um saquinho, com um pouco de terra e mato junto. Você pega algumas folhas, tira o talo e empilha na palma da mão. Pega uma pequena porção de uma massinha preta chamada ash ou llipta e coloca sobre as folhas.
Essa ash é feita de algumas raizes queimadas, entre elas a quinoa, alguma coisa com gosto de menta, xylitol e com certeza um pouco de terra e grama. Sua função é melhorar o gosto da coca e ajudar a ativar os alcalóides da coca.
Feito isso é só dobrar as folhas com a ash no meio, apontar ao céu como agradecimento e colocar dentro da boca nos dentes do fundo. Vai mastigando com calma e de tempos em tempos acrescenta algumas folhas. Os nativos ficam com esse bolo de folhas na bochecha o dia todo. Os turistas acabam cuspindo após alguns minutos. O principal efeito que notei foi o amortecimento da língua e da parte da bochecha em contato com a coca.
“Energizados”, encaramos as 4 horas de muita subida e falta de ar, até chegarmos ao topo da montanha (a 4630m).
Após algumas fotos e descanso, Álex (o guia) fez uma cerimônia de agradecimento a Pacchamama (mãe natureza), com oferendas de folhas de coca, alguns trechos recitados em quechua e uma dose de tequila peruana para Pacchamama e pra cada um de nós, no mesmo copinho, obviamente.
A paisagem é maravilhosa.
Dali partimos para mais 6 horas (15km) de uma descida interminável até Collpapampa (Mountain Sky View), um alojamento com 9 suítes, banho privativo e quente, super confortável e menos frio (2950m de altitude).
Já abaixo dos 3 mil metros de altitude, foi possível brindar a superação dos desafios do dia com uma cerveja Cusqueña e saborear o banquete com lomo saltado e papas fritas feito pelo nosso Chef Angel. Que noite reparadora, apesar das bolhas nos pés de alguns!
DIA 3
Acordamos às 5:00 com um chá de coca na porta do quarto, arrumamos as coisas, tomamos café e saímos para mais 15km de descida (1000m de altimetria) em 5,5 horas de caminhada. Na saída passamos por uma tenda local onde nos foi explicado mais algumas tradições quechuas e tivemos os rostos pintados com desenhos da cultura Inca.
Os últimos 3 km até o acampamento Jungle Domes a 2000m de altitude são feitos de van. Não tem chuveiros, mas não quer dizer que não teríamos banho.
Almoçamos bem e fomos de Van até o município de Santa Tereza (1h) onde entramos nas águas termais de Cocalmayo, com 4 piscinas quentes onde ficamos por duas horas e tomamos banho na água que drena das piscinas, mas tudo certo, melhor que nada.
Após muito relaxamento, paramos pra tomar um pisco e umas cervejas e voltamos ao alojamento para jantar e dormir.
DIA 4
Às 5:30, após mais um chá de coca trazido na porta do quarto, saímos para o último dia de cominhada. Foram 7 km de subida até 2900m em Llactapata pass, onde tivemos a primeira vista de Mucchu Picchu. Muito bacana.
Caminhamos mais um pouco até Llactapata (uma construção Inca que servia como ponto de entrada e checagem para a região da selva) e sua porta estava de frente para o Templo do Sol em Machu Picchu. Descemos alguns quilômetros até o local do almoço e logo depois chegamos na famosa Hidrelétrica, onde pegamos o trem Incarail até Águas Calientes. Muitos turistas e mochileiros fazem esse trajeto a pé afim de economizar mais um pouquinho. Mas o trem é bem legal e as pernas agradecem.
Chegamos em Águas Calientes às 15:30, nos instalamos em um hotel bem razoável (me pareceu fantástico depois de 3 noites em alojamentos).
A cidade é bem pequena e, apesar de ter alguns bares e restaurantes bonitos, tem uma infraestrutura bem limitada. Acredito que não se desenvolve mais devido à grande quantidade de turistas que fazem bate-e-volta de Cusco.
Após o jantar fomos para o bar Macchu Pisco onde participamos de uma preparação de Pisco em equipe com música e danças. Bem “pega turista” mas foi muito legal!
DIA 5
Acordamos às 4:30, sem chá de coca dessa vez, e após o café pegamos o ônibus as 6:00. Chegamos em Machu Picchu com o parque abrindo. Esse é o grande dia!
Começamos pelo setor 1 lá em cima e fomos tirando fotos e descendo. Impressionante!
MACHU PICCHU
(originalmente conhecida como Patallaqta) era um antigo vilarejo Inca localizado na jurisdição peruana da Cordilheira dos Andes, a 80 km de Cusco e a 2.430 m acima do nível do mar.
Machu Picchu foi “descoberta” em 24 de julho de 1911 pelo professor e explorador norte-americano Hiram Bingham (1875-1956) em uma viagem exploratória ao Peru, acompanhado por alguns colegas da Universidade de Yale. No momento da descoberta a maior parte das estruturas estava coberta por vegetação.
A curiosidade é que Bingham era casado com Alfreda Mitchell, neta de Charles Tiffany, dono da Tiffany &Co, fundada em NY em 1837.
O sítio arqueológico de Machu Picchu é formado por dezenas de templos, recintos e terraços que foram ligeiramente restaurados para dar a ideia de como eram impressionantes na época da construção.
Ao redor de Machu Picchu há duas montanhas que podem ser “escaladas” com compra do bilhete antecipado. A montanha homônima (montanha velha) ao lado da Porta do Sol e a Huayna Picchu (montanha nova).
Apesar de ambas serem interessantes, optamos por subir a Huayna Picchu. A subida consiste em 750 degraus que os Incas construíram nas encostas da montanha e leva em torno de 1 hora até o cume, motivo pelo qual poucos turistas se atrevem a ir.
Porém, pra quem gosta de uma aventura e está com o preparo físico em dia, a vista e as fotos lá de cima são espetaculares.
Vista de Machu Picchu de cima da montanha Huayna Picchu.
De volta ao hotel, pegamos as malas e o trem até Ollantaytambo, um pouco mais de uma hora de viagem c, onde pegamos uma van para mais 2 horas até Cusco.
Como diz o povo Quechua, Añai (obrigado) Peru, Añai Pachamama.